O céu nada pode fazer
O céu tudo pode fazer... Se o seu desejo for grande suficiente e permanecer acesso. Sim, você será capaz de mudar o mundo, mas não será necessário mover montanhas, tudo acontecerá no tempo certo. E foi assim, naquele primeiro de maio, que ela me convenceu a embarcar naquela loucura. Ela estava em uma fase muito mística e para onde estávamos indo havia muitos rumores de fortes energias e, até mesmo, de avistamentos de OVNIs.
Desde o início eu não levei a sério – era conversa demais e muita coisa não fazia sentido para mim – mas o que importava? Eu só estava ali mesmo para ficar perto dela e isso prometia me manter por muito tempo ao seu lado. Embarcamos em um ônibus às 17:30, no Terminal Rodoviário de Salvador. A viagem duraria oito horas e meia, aproximadamente. Iríamos percorrer um bom tempo de estrada, alguns trechos não estavam bons – era o que eu tinha ouvido falar – e isso faria o ônibus sacolejar um pouco. Eu não fazia a menor ideia a que horas da noite aconteceria, porém, sobrava certeza que isso iria nos manter mais tempo acordados conversando.
Com sorte iria esfriar e quem sabe a gente não acabaria se esquentando um no outro? Devido ao horário de “rush” a saída da cidade era um pouco mais demorada e foi ficando cada vez mais lenta, até descobrirmos que isso, na verdade, se devia a um acidente ocorrido próximo a Simões Filho. Por essa razão, a viagem começou um pouco tensa para a maior parte dos passageiros – não para mim é claro, eu estava adepto ao pensamento de “quanto mais tempo demorasse, melhor”. Logo que ultrapassamos este ocorrido, a viagem começou a ganhar ritmo. Ela se mostrava ansiosa, doida para chegar e, até alcançarmos Feira de Santana, nossa primeira parada, só falava no que iríamos encontrar em nosso destino.
Os passageiros conversavam muito, se mexiam, faziam barulhos, desembrulhavam balas e bombons; alguém resolveu comer um sanduíche que empesteou o ar. Telefones tocavam ou avisavam a chegada de novas mensagens, parecia a Torre de Babel. Isso sem contar que um cretino resolveu ouvir música com o som alto em seu celular, era um Arrocha que me fez ter vontade de levantar e socar a cara dele, mas eu havia prometido para mim mesmo que nada iria estragar aquele momento. Felizmente, alguém não tinha feito essa promessa para si e, com alguns berros, fez com que louco desligasse aquela caixa de abelhas. Aos poucos o tempo foi passando, as pessoas se aquietando; celulares começaram a se desligar, fosse por falta de carga na bateria ou de sinal na rede. Muitos passageiros ainda cochichavam e, de vez em quando, alguém tossia. Para meu alívio, não embarcara nenhuma criança daquelas que passam a noite chorando.
Já devia passar das 23:30, pela janela, víamos um céu claro, bonito e uma enorme estrela que jurávamos que estava nos seguindo. Apesar da felicidade e excitação, eu começava a sentir um pouco de cansaço, reflexo de um dia de muito trabalho e preparativos para a viagem. Fiz um esforço enorme para me manter bem acordado, sentindo aquele hálito ali pertinho, que parecia alimentar o meu. Devido ao atraso no início da viagem chegamos com quarenta minutos de atraso, a noite não havia sido às mil maravilhas que eu havia imaginado. A temperatura realmente havia caído muito, mas ela puxou uma manta, virou para a janela e dormiu como se estivesse em um hotel cinco estrelas. Sem motivos para me manter acordado eu também dormi – mas foi daqueles sonos que você acorda a todo instante, já que uma curva, um buraco e até a falta de sonhos te fazem acordar. Preciso contar como meu corpo estava quando chegamos?
Nós podíamos ter ido de avião até Lençóis, o discurso dela era que, de ônibus, era mais ecológico, emitiria menos carbono na atmosfera porque uma menor quantidade de petróleo é queimada. Além disso, também afirmava que a viagem compartilhada seria mais agradável e que fazia parte da “preparação” para o que iríamos vivenciar: “chegar devagarinho para ‘conhecer o caminho’” ela dizia, e eu não preciso repetir o quanto queria que tudo isso durasse a eternidade. Contei que uma das viagens mais longas em um único ônibus é a que liga Ontário a Alberta, no Canadá; esta viagem dura 3.435 km. Ela me fez o favor de perguntar quantas horas durava, eu lá sabia isso? Estava pensando que sou almanaque de calças? Respirei fundo e disse, silenciosamente, para mim mesmo: “Calma Caio, olha a viagem, olha as coronárias, relaxa! Quem mandou tentar impressionar?”
Eu havia organizado tudo, ligara para a pousada e, no ato da reserva, pedi que conseguissem um táxi ou um carro qualquer que apanhasse a gente na rodoviária. Lá estava ele, bonitinho, a nossa espera, mas achei que o motorista tinha cara de poucos amigos. Resolvi não dar importância a isso, afinal, devido a hora avançada e o atraso do ônibus, era de se entender; de qualquer forma, eu nem sabia se o veria novamente. A pousada não era distante e se o horário fosse outro, nós teríamos vencido a distância com uma pequena caminhada. Depois de cumprir os protocolos na recepção, fomos para os quartos – isso mesmo, no plural, ela para o dela eu para o meu. Assim que entrei no meu quarto, procurei um lugar onde pudesse esconder parte do dinheiro. Descobri que o espelho do banheiro era daqueles que se encaixam na parede; observei que a caixa parecia deslocada, mexi um pouco e ela saiu. Separei um pouco do dinheiro para gastar no dia seguinte, ou melhor, para algumas horas mais tarde. O restante coloquei em meu compartimento secreto. Ao colocar a caixa no lugar novamente fiquei em dúvida se essa era a melhor ideia, se estava bem encaixada e se valia a pena o risco – enfim, decidi arriscar. Sem pensar em banho, caí na cama e dormi um sono merecido.
“Acorda, preguiçoso”, alguém dizia, dando batidas na porta. O que é isso? Onde é o incêndio, onde estou, o mundo está acabando? E a voz insistia em gritar: “Acorda, preguiçoso”. Eu quase a mandei à merda – teria feito isso se antes não tivesse despertado por completo. Pousada Santa Helena, agora eu lembrava de onde estava: “Oh vida, eu precisava de mais algumas horas de sono”. Abri a porta e Laura estava lá, radiante. Afirmava que já era meio dia e que tínhamos perdido a manhã. Me olhava como se eu fosse o homem mais bobo do mundo e, naquele instante, devia ser mesmo — será que ela percebeu que eu queria abraça-la e jogá-la na cama? Deve ter sido isso. Em vinte minutos tomei um banho, coloquei uma roupa e fui pegar carteira e celular, mas onde estavam? Caramba, eu esqueci de colocar a bateria do celular para carregar, a gente ia passar o dia fora e iria ser difícil passar um dia com ele longe das minhas mãos. Faz tempo que eu desenvolvera uma dependência, ou vício, de tê-lo sempre por perto. “Mamma mia, valei-me meu Padim, Padi Cícero, não posso infartar hoje.” eu pensava. Peguei a carteira, olhei para meu cofre secreto e tive um impulso de retirar o dinheiro de lá, caminhei até o espelho, e enxerguei meu reflexo; achando que estava com um péssimo aspecto, lavei o rosto novamente, como se o banho tomado não tivesse sido o suficiente. Escovei os dentes pensando que aquela viagem tinha sido um erro. Por fim, virei as costas, apanhei as chaves e sai ao encontro da minha “Lara Croft” – menina aventureira. A aventura não podia esperar mais tempo para começar, como se a viagem até ali por si só já não fosse aventura suficiente para mim.
Saímos para comer, eram quase 14:00, então resolvemos conhecer um pouco da cidade antes. Passamos em uma agência de viagens local e contratamos um passeio de trilha para o dia seguinte, depois fomos ao mercado Municipal de Mucugê. Eu gosto de conhecer os mercados de toda cidade que visito pela primeira vez e, se valerem mesmo à pena, até retorno, se houver oportunidade. Geralmente os mercados municipais são lugares sujos, com mal cheiro, mas também são os melhores lugares para se conhecer a cultura local, as frutas da região, temperos mais usados e a culinária em geral. São locais onde você encontra moradores antigos, que gostam de conversar e contar casos locais. Decidimos que ali não era o melhor lugar para almoçarmos. Avistamos um restaurante bem próximo, que pertencia a outra pousada, distante da que estávamos hospedados. De mãos dadas e em plena lua de mel sem sexo, caminhamos para lá.
Era um local muito agradável, estilo rústico meio museu com inúmeras peças antigas expostas. Fomos recepcionados por uma menina que devia ter entre treze e quatorze anos; era simpática, alegre e, ao mesmo tempo, tinha olhos tristes, do tipo de menina que não tem certeza do que está fazendo naquele lugar e que ainda se imaginava brincando de boneca. Ela passou o cardápio e foi explicando: “o Godó é um ensopado de banana-verde com carne de sol, coisa inventada pelos garimpeiros e bem tradicional na região. Acompanha arroz branco, feijão, farofa e salada, é excelente para quem vai fazer caminhadas, dá muita sustança. A Farofa de Garimpeiro é bem temperada, feita com carne de sol frita, sequinha e prensada, uma delícia de invenção dos garimpeiros, parece paçoca.
O Cortado de Palma é feito com uma palma comum do sertão nordestino, usado como comida para o gado e também por gente, é servida em cubos.
A Moqueca de Jaca substitui o camarão ou peixe, e outras iguarias, “o assunto não tinha fim.”
Eu cortei a explicação da menina com toda educação que a fome me permitiu: “minha filha, traga o que for mais rápido, uma cerveja e uma cachaça da região”. Eu nem gosto de cachaça, mas precisava relaxar, mostrar que era forte e que conhecia do assunto. A cachaça desceu queimando lábios, garganta, esôfago e sei lá onde mais, até encontrar meu estômago vazio, quando subiu novamente, batendo na cabeça e apitando em meus ouvidos; depois acho que foi parar em Quixeramobim, me lembro muito pouco dali em diante, a não ser dela ter segurado meu rosto quando tentei beija-la com a boca toda suja de Godó, o tal ensopado de banana-verde com carne de sol.
Voltamos para a pousada, ela queria que eu fosse direto para a cama, mas preferi tomar um banho e conferir se meu rico dinheirinho ainda estava lá. Estava do jeitinho que eu havia deixado. A cama estava arrumada, o quarto limpo e cheiroso, isso parece ter feito eu melhorar um pouco; deitei-me e dormi até às 20:15, quando me arrumei e desci. Laura estava na sala conversando com vários hóspedes e funcionários da pousada, ria alegremente e exclamou: “Até que enfim acordou a Margarida”. Eu respondi, perguntando: “não deveria ser o Belo Adormecido?” Todos riram bastante e foram se apresentando. Perguntei onde poderia comer um tira-gosto e apreciar uma cervejinha artesanal. Ela fez pouco de mim, perguntando se eu ainda aguentaria beber naquela noite, depois fechou com a frase: “Amanhã nosso dia começa cedo e será longo”. Encontramos o barzinho indicado pelos donos da pousada; música boa ao vivo, tira-gosto bom, local excelente. A voz de Laura ecoando na minha cabeça, lembrando o que teríamos pela frente no dia seguinte, me fez maneirar na cerveja. Realmente não valia a pena exagerar, eu teria outras oportunidades para mostrar a minha resistência. Algo me dizia que seria logo no dia seguinte, possivelmente em uma trilha de sol escaldante.
No outro dia, quase arrumei uma confusão com o guia de nossa trilha, que se engraçou dizendo umas piadinhas para ela. Quem disse que ela gostou de encontrar um salvador em mim? Disse que eu estava sendo infantil e imaturo, que ela não precisava de um protetor, que era bem capaz de cuidar de si própria e que, se fosse preciso, ela mesma contrataria um guarda-costas, de preferência um que tivesse músculos. Eu podia passar sem essa. Menininha metida a independente não viu que eu só estava sendo cuidadoso? Um pouquinho de carinho não faz mal a ninguém. Pensei em virar as costas e ir embora no mesmo instante, mas fiquei com medo de parecer ainda mais infantil. Para mostrar meu desagrado, apenas fechei a cara durante o resto da hora que se seguiu.
Passei a observar as pessoas, a paisagem e os bichos, até o Bem-te-vi, que estou acostumado a ouvir cantar na cidade, ali me pareceu diferente. Passei horas parecendo que estava fora de mim, vendo e ouvindo coisas com olhos e ouvidos que eu não sabia possuir. Isso durou até que outra gracinha dita pelo guia à Laura voltou a me reconectar com minha rabugice e o meu mau humor. Em uma pura fuga temporal, comecei a lembrar que quando eu tinha uns doze anos; sonhava em fazer o Caminho de Santiago de Compostela e também a Trilha Inca. Durante muitos anos eu alimentei estes sonhos, mas, se eu soubesse do calor, dos calos nos pés e incômodos que existem nessas aventuras, nunca teria perdido meu tempo e horas de sono planejando essas maluquices. Eu ficava alternando entre bom humor e total azedume, estava parecendo com o clima no litoral: sol, calor e, de repente, um vento sul que bate trazendo chuva e frio, tudo no mesmo dia.
Quando retornamos eu estava faminto. Depois de um longo banho e curto descanso voltamos naquele barzinho de música ao vivo do dia anterior. Hoje quem tocava era um cara mais maduro, parecia com Luiz Caldas, tocava bem o violão e atendia a inúmeros pedidos. Cara simpático, gostei dele; atendeu a um pedido meu, esqueci que não sei cantar e cantei junto, fiz da mesa uma bateria – uma festa. Estava feliz, pela primeira vez desde o incidente com o guia ela mudara a fisionomia, voltando a sorrir e a segurar minha mão. O show do “Luiz Caldas” acabou, parece que era noite de cover pois, em seguida, subiu ao palco a sósia da Paula Toller. Fiquei encantado, ela era tão bonita quanto a original. Tocava violão e a voz era afinadíssima. Fiquei um bom tempo olhando para ela, depois me distraí e voltei a conversar com Laura animadamente sobre o dia, rimos muito quando lembramos da turista que caiu sentada e se estatelou e também do estrangeiro de nariz empinado com roupa de safari, que a todo instante repetia “I”m sorry” e “Excuse me”, além do seu rosto que ficou vermelho ao pisar por duas vezes em cocô de vaca, ainda fresco.
Parei para ouvir a música “Na Rua, na Chuva, na Fazenda” que eu adorava. Laura começou a apresentar uma irritação e eu não entendia o porquê; nós estávamos bem, tudo estava bem. Por que aquela irritação? Foi quando ela pegou a bolsa, separou o valor que julgou ser sua parte na conta, pôs em cima da mesa e disse silabicamente: “Fique com ela, ela canta bem, não tira os olhos de você e você dos dela. Vocês se merecem, não sabem respeitar duas pessoas conversando em uma mesa. Aproveite e leve-a para cama, porque comigo não ia rolar mesmo.” Depois virou as costas e saiu. Se essa cena de ciúmes procedia eu não sei — não via a cantora olhar para mim e meus olhos estavam sempre voltados à Laura. Fui ao caixa, pedi para adiantar o fechamento da conta e sai quase que correndo atrás dela, sem esperar o troco. Já era tarde, ela estava em seu quarto; passei o resto da noite me torturando sem saber se devia ter batido à porta dela ou não.
No dia seguinte, escapamos por uma trilha e fomos para uma cachoeira que tínhamos visto anteriormente – parecia uma boa ideia nos afastar do grupo, então fomos tomar banho de cachoeira. Sem qualquer inibição ela tirou a roupa e entrou na água, eu pensei que isso fosse um sinal de que aprovara as minhas intenções, mas não era. Eu não vou mentir afirmando que minha genitália é de tamanho “GG”, extragrande; no entanto, tem um bom tamanho. Mas, naquela cachoeira, naquela água fria, “brrrrr... ficou muito tímido” Eu batia o queixo e quis abraçá-la. A reação que Laura teve foi abrupta e me deixou confuso – ela saiu para se vestir e começou a chorar. Eu saí na mesma velocidade e, enquanto colocava a roupa, fui tentar me desculpar.
Ela se deitou no meu colo e eu fiquei penteando os seus cabelos com os dedos, contando sobre lugares que já fui, pessoas que conheci, imitando as vozes e gestos que eu podia lembrar ou que simplesmente criava, para dar mais ênfase aos relatos. Aos poucos ela foi se acalmando, parando de chorar, tomou minhas mãos entre as suas e começou a beijá-las. “Sabe, isso me fez lembrar minha avó, eu era pequena, andava descalça, com os cabelos desgrenhados, subia nas árvores parecendo uma macaquinha. Pensava que estava nas alturas, quase nas nuvens. Minha avó me chamava, descascava umas laranjas e depois, enquanto eu as chupava, ela penteava meus cabelos contando histórias. Eram contadas deste jeito, com caras e bocas, e quando eu pedia para repetir, ela dizia ‘me dá um beijo que eu conto’; contava tudo diferente, eu ficava brava com isso e ia corrigindo.” — “Laura deu uma pausa, olhou para a água e continuou:” — “Um certo dia, os meninos da vizinhança me chamaram para roubar mangas na casa de seu Césinho. O cara era bravo, brigava com todo mundo e dava tiro de sal na molecada que ia lá roubar as frutas do pomar dele. Eu fui, subi no pé de manga e fiquei jogando os frutos por cima da cerca – a garotada os apanhava na maior algazarra. De repente, todo mundo sumiu e eu continuei jogando as mangas. Ouvi um rosnado de cachorro e então soube que o dono do pomar estava bem embaixo do pé, olhando para mim. Acho que eu pensei que iria morrer, porque comecei a chorar. Meu soluço deve ter amolecido o coração dele, que me ajudou a descer, perguntou meu nome e por que eu chorava tanto. Quando eu disse que não queria levar tiro de sal ele deu uma risada e me ofereceu uma mexerica que, naquela época, eu chamava de tangerina. Ficamos amigos, recebi uma sacola cheia de frutas e o convite para voltar quando quisesse, com a recomendação que nunca levasse os ‘pestinhas.’”
Acho que ela nunca devia ter se aberto tanto com uma pessoa quanto fez comigo, e isso me fez pensar nela ainda com mais doçura; Laura era minha heroína e, naquele instante, eu era um grande vilão – me senti um crápula. Aquele gesto era significativo; havíamos saído como amigos e voltaríamos como melhores amigos, nada mais. Eu entendi isso, aliás, eu entendi muito mais que isso – percebi que, quando um não quer, nada pode ser feito.
Cinco anos e muita água debaixo da ponte haviam passado desde que chegamos daquela viagem. Nos seis primeiros meses, a gente se esbarrava de vez em quando em algum barzinho, depois ela sumiu e eu soube que havia se casado com um engenheiro. Haviam se mudado para Mossoró, onde ele iria chefiar a construção de uma grande obra. Se era verdade eu não sei, mas que ela sumiu, sumiu. Aquela experiência havia mudado minha vida em muitos aspectos; não porque eu tivesse vivido uma experiência mítica, não vi os OVNIs que ela prometera, não aceitei o cigarrinho de maconha que ela havia me oferecido na cachoeira e tão pouco tive alguma revelação, como seu ídolo Paulo Coelho tinha escrito. Eu simplesmente tive tempo de me observar, deixar de ser tão rígido comigo mesmo, controlador do tempo, espaço e pessoas. Estava vivendo muito bem comigo mesmo, aceitando que eu não era perfeito e não tentando ser.
Eu estava descendo o Elevador Lacerda, acompanhado de uma prima que havia chegado de Minas. Como bom cicerone, mostrava a cidade e a levei para comprar uns souvenirs no Mercado Modelo. Entramos no elevador rindo, porque alguns vendedores de bugigangas tentaram me vender algumas tralhas enquanto eu repetia: “não quero, eu não sou turista” – eles me olhavam com uma expressão como se dissessem “branquelo mentiroso, olha a cara de gringo”. Fiquei surpreso quando senti uma mão no meu ombro esquerdo; me virei e era ela. Estava linda, vestia uma camiseta branca, uma jardineira jeans com alça desabotoada, tênis brancos e trazia consigo o sorriso de uma Deusa. Sabe quando você leva um choque e fica sem ar? Eu fiquei sem ar e sem chão. Não pensava mais nela, não sentia falta, minha vida tinha seguido. Neste tempo todo eu tive dezenas de relacionamentos, parecia um Dom Juan.
Eu gaguejei um “bom dia” em pleno fim de tarde e apresentei minha prima, que ela jurou pensar que fosse minha esposa ou namorada. Comentou que morava só, em Piatã, trocamos números de telefones que eu não pretendia ligar. Três meses depois eu estava em um bar, não bêbado, mas de cara cheia, tinha “comido água” desde cedo em um churrasco e emendei com a turma direto para o bar, quando meu telefone tocou. Sem olhar o visor eu atendi e uma voz de anjo disse: “Não quer vir para minha mesa? Estou atrás de você.” Eu fui, me sentei, seguimos depois rumo à sua casa. Isso já fazem dez anos, mas é outra história, importante é saber que o céu tudo pode fazer... Se o seu desejo for grande suficiente e permanecer acesso.
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